Aurélio Batista Félix era um visionário e pessoas desse tipo sempre merecem ser lembradas. Lá, na distante década de 80, ele pensou em criar uma categoria de caminhões de competição e o sonho só se tornou realidade em 1995, depois de participar da 1ª Copa Brasil de Caminhões, que em 1987 foi disputada no Autódromo de Cascavel, no Paraná. Como piloto, Aurélio terminou em quarto lugar. O caminhoneiro filho de caminhoneiro viu uma parte dos planos se tornarem realidade quando em 1994 fez uma apresentação em Interlagos, o templo do automobilismo brasileiro, para mostrar para empresários, autoridades e imprensa especializada o embrião daquela que alguns anos mais tarde se tornaria a mais popular categoria do automobilismo continental. No entanto, somente em 1996, depois de muitas lutas pessoais de Aurélio, a Fórmula Truck foi homologada e se tornou oficialmente uma categoria conhecida e respeitada. Antes, em 1995 a Truck já tinha seu campeonato.
Mas o destino, sempre ele, quis que esse caminho fosse interrompido bruscamente no dia 5 de março de 2008, quando Aurélio entrou para a história do automobilismo brasileiro. Aos 49 anos ele se foi, mas a semente plantada no seu coração lá na década de 80 ficou, germinou e se consolida a cada temporada. Neste início do 20º ano o legado dele volta a ser lembrado por gente que conviveu e com quem dividiu o sonho da Fórmula Truck, hoje comandada por sua esposa Neusa Navarro e com a participação dos filhos Danielle, Gabrielle e Aurélio Júnior.
Neusa Navarro (presidente da Fórmula Truck) – Parece que foi ontem, mas já se passaram sete anos. Muito tempo. Mas o Aurélio ainda está presente em tudo o que a gente faz. A ideia de continuar com a Fórmula Truck foi dar continuidade ao sonho dele. Fiz o que ele tinha em mente e de agora em diante dou continuidade aos meus sonhos. Ele era extremamente exigente, centralizador, tudo tinha de ser feito do jeitão dele e dava certo. O Aurélio faz muita falta em todos os sentidos, como marido, como pai. Não sei como as coisas estariam se ele ainda estivesse aqui hoje. Melhor? Pior ? Sinceramente, não sei. O que ele tinha era uma facilidade muito grande de lidar com pilotos e equipes, pois entendia do assunto. De uma coisa tenho certeza: se estivesse por aqui os caminhões teriam evoluído muito mais.
Teo José (narrador Rede Bandeirantes) – O Aurélio foi um dos caras mais fantásticos que conheci. Era a maior figura. Um grande sonhador que conseguia transformar em realidade tudo o que sonhava. Tive vários casos engraçados com ele. Uma vez em Curitiba estávamos preenchendo a ficha de entrada no hotel e a recepcionista perguntou se ele fumava. Ele virou e disse :por que você quer saber da minha vida? Se eu fumo é problema meu!!! Aí disse que era para saber se o colocava em quarto de fumante ou não fumante, mas ele saiu bravo demais. Teve outro caso em que ele queria comprar uma caminhonete que estava em falta e achou numa concessionária de Santos. Ligou, acertou o preço e mandou uma pessoa buscar com um cheque em branco, caso tivesse de acrescentar emplacamento, algo assim. Aí a pessoa acertou um desconto, pois o pagamento era à vista. Quando retornou à Truck, o Aurélio mandou ele voltar e completar o pagamento, pois era o que ele tinha combinado. Ele foi um dos maiores empreendedores que conheci e tenho saudade do Aurélio.
Orlei Silva (fotógrafo da Fórmula Truck desde 1996) – Ele era o pai dos autódromos brasileiros. O Aurélio reformou vários autódromos do País por gostar do automobilismo, esporte que ele queria ver em pé. Ele foi o único a tirar dinheiro do próprio bolso para reformar e deixar em condições de receber corridas. Ele reformava mesmo. Não fazia só maquiagem. Lembro bem em 2004, em Cascavel, quando passamos 60 dias dentro do autódromo arrumando tudo por lá. Ele mesmo operou tratores, caçambas e, mesmo sem a ajuda de um engenheiro, fez tudo. O Aurélio não teve ajuda do governo e nem da Prefeitura para fazer o que fez.
Luiz Silvério (repórter Fórmula Truck/Band) – Posso definir o Aurélio com uma palavra: determinado. Minha convivência com ele teve início em 1987, quando ele participou da primeira corrida de caminhões no Brasil. Naquela época eu não tinha amizade com ele, mas vi uma pessoa trabalhadora e que tinha tudo para dar certo. Ali já observei um cara determinado a fazer aquela categoria ter sucesso no Brasil. E o sucesso veio quando ele criou a Fórmula Truck, e tudo antes mesmo da primeira transmissão de tevê, pois a Truck já levava 40 mil pessoas aos autódromos. O Aurélio vivia ligado 24 horas. Quando era hora de descansar estava na oficina no dinamômetro tentado melhorar a performance do motor. Ele era um inovador e queria mudar sempre, pois via as coisas de outra maneira. Queria mudar para fazer a categoria ser o sucesso que é hoje!
Renato Martins (piloto e dono da RM Competições) – O Aurélio era um grande amigo com quem eu discutia e brigava muito, sempre para o bem da Fórmula Truck. A morte dele foi uma grande perda não só para a Truck, mas para todo o automobilismo brasileiro, pois ele era um cara criativo. Nós discutíamos por causa do regulamento, sempre querendo melhorar a categoria. Ele era um linha-dura e com uma visão muito boa. Guardo boas recordações dele.
Roberval Andrade (piloto e dono da Corinthians Motorsport) – Há sete anos nós perdemos muito cedo um grande visionário e idealizador. Todo o tempo em que trabalhei na Truck com o Aurélio foi de satisfação, pois ele era um gênio, um organizador que fez todos os pilotos da categoria terem o reconhecimento nacional em cima de sua gestão. Ele conseguiu implantar em todos nós, pilotos e equipes, a mesma visão que ele tinha da vida pessoal e do lado profissional no automobilismo. O esporte cresceu e melhorou em cima da grande estrutura que a Fórmula Truck criou. Infelizmente ele nos deixou jovem, com 49 anos.
Djalma Fogaça (piloto e dono da DF Motorsport) – Ele era um cara diferenciado, incrível! Lembro de uma corrida e na época os quatro caminhões da equipe tinham comunicação pelo rádio. Eu liderava, tive de entrar no box e, como voltei em último, não chegaria entre os primeiros nunca. Aí escutei o Zé Maria falar que estava com problema e que precisava ir para os boxes. Entrei no rádio e disse para ele parar na pista para me ajudar. Ele parou e quando o Aurélio foi socorrer perguntou o que tinha acontecido e ele disse que tinha travado, Ele viu que era mentira e deixou para o briefing da outra corrida. Ele começou a falar assim: tem gente que não pode estar na minha catigoria. Ele falava desse jeito mesmo, com i. Não é mesmo Fogaça? E disse que eu tinha mandado o Zé parar na pista. Falei que ele não tinha como provar aí ele chamou o Zé e sapecou: Zé, você que é um homem temente a Deus, não mente e quer ficar aqui na Truck, me responda: mandou ou não? Aí o Zé, meio sem jeito, disse que sim. Depois de soltar os cachorros em mim, ele encerrou o briefing e pediu para só eu ficar. Pensei que tinha dançado. Aí ele disse: Cabeção, se você cair numa CPI com uma testemunha dessa está ferrado!!! Rimos muito.
Mais informações www.formulatruck.com.br
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Texto: Milton Alves
Créditos da Imagem: Orlei Silva